terça-feira, 22 de maio de 2007

O CRIADO-MUDO

Perfeccionista e cuidadosa. Ana Maria primava em agradar as visitas que apontavam na casa de sua patroa.
Angariava com esse gesto de boa vontade a simpatia e o amor de todos.
A sua bondade não se esgota por aí. Alcançava limites muito além da esfera profissional. É que a fámula doméstica cultivava as raizes ligadas à sua estirpe, mormente quando os liames vinham dos pais.
Por eles, não media esforços; ajudava-os, mesmo que sacrificasse parte do seu salário.
Há dias, soubera que a mãe sonhava em possuir um quarto completinho, embora não dispusesse de recurso para tão arrojado projecto. Mas, como sonhar não faz mal, a genitora contentava-se, há meses, em curtir as imagens oníricas através de reais incursões em lojas de móveis. Tornara-se, assim, conhecida como a senhora que olha quarto de casal, porém nada compra.
Ouvindo, por relato da prima Ártemis, a história dessa peregrinação, Ana Maria ficou, por alguns dias, macambuzia, de pena da situação vexatória em que a mãe se colocava. Por isso, tomou, imediatamente, a decisão que achou ser a mais precisa para transformar as utopias maternas em pura realidade: de comprar e dar-lhe de presente um quarto completo.
Comprou-o do bom e do melhor, acrescentando de um criado mudo. Transmitiu a novidade à mãe que, de tão contente, não sabia como agradecer essa nobre acção.
A filha informou-lhe, ainda que a transportadora levá-lo-ia completinho.
Dias depois, a mãe ligou para Ana Maria, avisando que recebera o presente.
Esta, então, perguntou-lhe: não faltou nada, nem o criado mudo?
Depois de certa reticência, a mãe falou-lhe:
- olhe, filha, recebi o quarto. O criado deixou tudo direitinho. Agora, a unica coisa que não apareceu por aqui foi esse mudo que você fala tanto!
A filha esclareceu à genitora que criado-mudo era apenas a mesinha de cabeceira que fica ao lado da cama.
Após um longo suspiro, a mãe, aliviada, disse a Ana Maria:
- por que você não me disse isso logo?
E eu tão aperreada com esse mudo!
- Onélia Queiroga -

Nenhum comentário: