segunda-feira, 24 de março de 2008

HISTÓRIAS ENCAPSULADAS

O Professor Geoffrey Cumbersome voltou a encher o cachimbo com mãos tremulas. Um colega da Universidade de Oxford lhe encomendara um verbete sobre o tema “Histórias Encapsuladas”, e ele apavorado. O professor Cumbersome era um charlatão. Conseguira todos os seus Mestrados e Doutoramentos por mero pistolão político, mas o seu conhecimento de teorias literárias era quase nulo. Agora, ter que “colar” mais uma vez. Suando frio com a possibilidade de desmascaramento, cofiou a barba ruiva e estendeu a mão para o volumoso “Tratado de Narratologia”, de Hanselminth, correu o dedo pelo índice remissivo, abriu o livro na pagina 714 e começou a ler.
“Em 1923, um distraído turista belga, passeando pelos sebos da Rive Gauche, deparou-se com um livro que portava na capa o nome de Frantisek Holsa. O titulo: “Os Mundos Concêntricos”. O Dr. Lefèvre (pois este era o seu nome) franziu o sobrancenho, pois conhecia bem a obra de Holsa, sobre a qual já escrevera alguns ensaios.
Aquele titulo, contudo, jamais fora mencionado em qualquer texto entre as centenas que já lera sobre o excêntrico novelista tcheco. O doutor ergueu o volume com cuidado; era uma edição de 1897, encadernada em couro vermelho com letras douradas. Parecia tratar-se de um livro de meditações filosóficas. Comparando os números das páginas do índice, o Dr. Lefèvre escolheu o da pagina 45, que parecia o mais curto, pois o conto seguinte começava na 47. ajustando os óculos, chegou à pagina desejada e leu:
“Assim como existem, segundo a Ciência, planetas inteiros, em tamanho infinitesimal, com os seus continentes e oceanos, boiando numa simples gota de água, é-nos permitido supor que esta escala decrescente de dimensões jamais poderá ter fim, pois que em cada micro-gota de cada micro-mundo outros mundos menores também estarão contidos, e assim por diante, ad infinitum. Várias mentes criativas já anunciaram esta verdade; nenhuma com mais originalidade ou mais ênfase que o pensador andaluz ahmed Al-Qazari, em sua coletânea de parábolas “Visoes”, escrita durante os anos que passou em Toledo. Em sua “visão” mais conhecida, Al-Qazri assim se exprime:
“Gloria a Deus, o inefável, o indefinível! Sucedeu-me estar em viagem na estrada que leva de Toledo a Córdoba, acompanhando um grupo de peregrinos, quando o guia que precedia o nosso grupo avistou, entre os arbustos à beira da estrada, um baú tombado, aparentemente perdido por uma caravana. Recolhemos aquele achado e o levamos conosco até á estalagem onde passamos a noite. Após a ceia discutimos o nosso achado e achamos por em abri-lo, em busca de alguma indicação sobre o seu proprietário. Qual não foi o nosso espanto quando descobrimos no seu interior, envolto em espessos tecidos protetores, um globo de cristal de estranha luminosidade. Colocamo-lo sobre a mesa e avistamos em seu interior o rosto de um homem com espessa barba ruiva, segurando um cachimbo fumegante e gritando em inglês: “Help me! Help me!”

‘Braulio Tavares’

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