quarta-feira, 26 de março de 2008

SONATA DE PÁSCOA

No essencial, não há muito espaço para divergências. O rabino, o padre e o pastor parecem estar de acordo. O significado da Páscoa de cristãos e judeus continua valendo para os três caminhos de fé. Todos confiam os seus destinos à mesma passagem.
Pessach. Assim os judeus denominam a trajetória de fuga do povo hebreu, perseguido pelos exércitos do faraó do Egipto.
A travessia combina com a figura impressionante de um Moisés digno das cores de um Da Vinci, erguendo o cajado diante das águas do Mar Vermelho, as barbas quase centenárias ao vento, os olhos esgazeados querendo a todo o custo, quase uma obsessão, enxergar os horizontes impossíveis da Terra Prometida, conduzindo aquela multidão de esperanças esbraseadas pelo sol do deserto a se arrastar pelas areias do mundo em forma de povo...
Os tempos chamados de pós-modernismo desertificaram mais ainda as nossas travessias.
É preciso encontrar urgentemente num novo Moisés.
Quem?
É preciso encontrar urgentemente os novos caminhos de Canaã.
Onde?
Quantas Canaãs já não nos foram prometidas?
Quantos Moisés não tocaram a ponta do cajado na crista das ondas que molham os nossos pés e as águas nunca mais se abriram para dar passagem enxuta e segura às nossas urgências?
De toda sorte, continuamos todos em fuga. De que fugimos nós? Nenhum Faraó nos persegue, mas, com certeza, este não é um lugar seguro. Nada nos encoraja a ficar. Partir é preciso.
Tudo é deserto em derredor. Os nossos filhos pedem emprestados a Moisés os olhos de contemplar a Terra da Promissão, mas só enxergam a miragem triste dos próprios passos enterrados na areia.
Que Moisés é esse que não soube conduzir o seu povo pelos caminhos da promissão?
E se esse novo Moisés agora abrir os braços diante de nós para nos barrar o caminho, dizendo simplesmente:
- Agora é tarde, podem voltar, pois Canaã não há mais.
E agora Moisés?
São coisas do deserto. A maior desgraça de quem foge é a certeza de não ter para onde ir.
Perdemos a hora e a vez da passagem. Estamos fugindo de nós mesmos. E nessa fuga, enterramos os passos no deserto das almas solitárias.
A travessia findou e ninguém percebeu.
Viramos as costas às terras de Canaã.

‘ Luiz Augusto Crispim’

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