terça-feira, 4 de março de 2008

AS DUAS GOTAS DE ÓLEO

No alto da cidade de Tarifa existe um velho forte, construído pelos mouros. Lembro-me de me ter sentado ali com minha mulher, Christina, em 1982, olhando pela primeira vez um continente do outro lado do estreito: a África. Naquele momento, não podia sonhar que este momento de preguiça no final de uma tarde iria inspirar uma cena do meu livro mais famoso “O Alquimista”. Tampouco podia sonhar que a historia a seguir, escutada no carro, serviria como um excelente exemplo para todos nós que estamos em busca do equilíbrio entre o rigor e a compaixão.
Certo mercador enviou o seu filho para aprender o Segredo da Felicidade com o mais sábio de todos os homens. O rapaz andou durante quarenta dias pelo deserto, até chegar a um belo castelo, no alto de uma montanha. Lá vivia o Sábio que o rapaz buscava.
Ao invés de encontrar um homem santo, porém, o nosso herói entrou numa sala e viu uma atividade imensa; mercadores entravam e saiam, pessoas conversavam pelos cantos, uma pequena orquestra tocava melodias suaves, e havia uma farta mesa com os mais deliciosos pratos daquela região do mundo.
O Sábio conversava com todos, e o rapaz teve que esperar duas horas até chegar a sua vez de ser atendido.
Com muita paciência, escutou atentamente o motivo da visita de rapaz, mas disse-lhe que naquele momento não tinha tempo de explicar-lhe o Segredo da Felicidade.
Sugeriu que o rapaz desse um passeio por seu palácio, e voltasse daqui a duas horas.
- Entretanto quero pedir-lhe um favor – completou, entregando ao rapaz uma colher de chá, onde pingou duas gotas de óleo.
- Enquanto você estiver caminhando, carregue esta colher sem deixar que o óleo seja derramado.
O rapaz começou a subir e descer as escadarias do palácio, mantendo sempre os olhos fixos na colher. Ao final de duas horas, retornou à presença do Sábio.
- Então – perguntou o Sábio – você viu as tapeçarias da Pérsia que estão na minha sala de jantar? Viu o jardim que o Mestre dos Jardineiros demorou dez anos para criar? Reparou nos belos pergaminhos de minha biblioteca?
O rapaz, envergonhado, confessou que não havia visto nada. Sua única preocupação era não derramar as gotas de óleo que o Sábio lhe havia confiado.
- pois então volte e conheça as maravilhas do meu mundo – disse o Sábio.
- Você não pode confiar num homem se não conhece a sua casa.
Já mais tranqüilo, o rapaz pegou a colher e voltou a passear pelo palácio, desta vez repassando em todas as obras de arte que pendiam do teto e das paredes. Viu os jardins, as montanhas ao redor, a delicadeza das flores, o requinte com que cada obra de arte estava colocada em seu lugar. De volta à presença do Sábio, relatou pormenorizadamente tudo que havia visto.
- Mas onde estão as duas gotas que lhe confiei? – perguntou o Sábio.
Olhando para a colher, o rapaz percebeu que as havia derramado.
- Pois este é o único conselho que eu tenho para lhe dar – disse o mais Sábio dos Sábios – o segredo da felicidade está em olhar todas as maravilhas do mundo, e nunca se esquecer das duas gotas de óleo da colher.

‘Paulo Coelho’

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