Eu não vim para molestar o sentimento daqueles que perderam o caminho das lágrimas. Nem tampouco para ulcerar a dignidade sacra do pão sobre a mesa. Eu vim, amigo, para falar desta ferramenta fundamental que é a vida, destes olhos naufragados na rebelião de um pranto, da tristeza sem fim de minha mãe que toma remédio de hora em hora, do cansaço comprido de seus olhos pedindo sossego pro mundo — sobretudo, amigo, para falar do regresso imponderável de todas as manhãs da estrela magnífica que clareia como espuma nos olhos da lavadeira, daqueles que trabalham com os mortos e sabem de cor a numeração das lágrimas, dos que constroem apartamentos e dormem em camas de zinco, dos que tiram fotografias ao lado dos políticos, da poesia, sobretudo da poesia, que é mais forte que um boi na canga de seu ofício, da poesia que é mais vulgar que um beijo no prostíbulo da poesia que cancela o desespero que maltrata o sofrimento que proclama a paz da poesia que navega em nosso corpo como um grito numa mansão deserta da poesia que é mais bela que um trem na mata da poesia que é mais bela que um cantil cheio d'água da poesia sobretudo da poesia, que é como a presença de um rio entrando pela noite dos escombros, — ave muito clara, ternura, deixa-me morrer entre as estrelas.
Gabriel Nascente
terça-feira, 1 de abril de 2008
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