Há livros que lemos sentados num banquinho diante de uma carteira escolar. Há livros que lemos andando (e também por causa do formato); Uns são para as florestas e outros para outros campos, Et nobiscum rusticantur, diz Cícero. Alguns há que li na diligência; Outros, deitado no fundo dos celeiros de feno. Há os para fazer crer que temos uma alma; Outros, para desesperá-la. Há os em que se prova a existência de Deus; Outros, em que não se consegue fazê-lo. Há livros que não é possível admitir senão em bibliotecas particulares. Há os que receberam elogios de muitos críticos autorizados. Alguns há em que só se trata de apicultura, que certas pessoas acham algo especializados; noutros fala-se tanto da natureza que não vale mais a pena passear depois. Outros há que os homens sensatos desprezam, mas; que excitam as criancinhas. A alguns chamam antologias e neles incluíram tudo o que de melhor se disse a propósito de tudo. Há os que desejariam fazer-nos amar a vida; outros depois dos quais o autor suicidou-se. Alguns semeiam o ódio e colhem o que semearam. Alguns, quando os lemos, parecem brilhar carregados de êxtase, deliciosos de humildade. Há os que amamos como irmãos mais puros e que viveram, melhor do que nós. E os há impressos em caracteres extraordinários e que não compreendemos, mesmo depois de tê-los estudado muito. Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael! Alguns há que não valem um vintém furado, outros alcançam preços consideráveis. Alguns falam de reis e de rainhas e outros de gente muito pobre. Alguns há cujas palavras são mais suaves do que o ruído das folhas ao meio-dia. Foi um livro que João comeu em Patmos como um rato; mas eu prefiro as framboesas. Isso encheu-lhe as entranhas de amargura e ele teve depois muitas visões. Ah! quando teremos queimado todos os livros, Nathanael!
André Gide
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