segunda-feira, 24 de março de 2008

CABRAL: NÃO HOVE FIM

Depois que Jean-Paul Sartre ganhou e recusou o Premio Nobel da Literatura, a grand’inteligencia brasileira ficou um tempo sem querer que a algum dos grandes nossos fosse destinada a honraria. Afinal, era uma época em que ainda predominava a influencia intelectual francesa e Sartre era divino e maravilhoso.
Quando veio a anistia, há quase trinta anos, o Premio Nobel da Literatura voltou a ser sonhado pela grand’inteligencia brasileira, especificamente para nosso mais conhecido escritor (entre os que têm vergonha na cara) no exterior: Jorge Amado.
Nunca deixei de admirar Jorge Amado, desde que li “Os Velhos Marinheiros”, mas torci sempre para que o Nobel da Literatura fosse dado a João Cabral, de cuja poesia, como declarou Caetano Veloso, numa das faixas do disco “Estrangeiro”, veio a musica do baiano de Santo Amaro da Purificação. “Minha musica vem da poesia de um poeta João, que não gosta de musica”.
É verdade. Certa vez, João Cabral disse que não gostava de musica, que o fazia dormir. Na vida inteira, só abriu exceção para o frevo de Pernambuco e o flamengo da Andaluzia.
Fina ironia, pois João Cabral escreveu um dos mais vigorosos momentos da poesia brasileira: “Morte e vida Severina”, que Chico Buarque musicou e transformou-se em bandeira, durante e depois da ditadura.
Tímido, João Cabral disse numa entrevista: “Eu no sou auditivo”. Não gostava de musica, mas nos deixou a maior das musicas: sua fidelidade à raça humana, à natureza, à liberdade, à cultura.
A vida de João, como a de todos os grandes do mundo, foi um poema, como sua própria morte, em 1999; estava rezando com sua mulher, deu um suspiro profundo, jogou a cabeça para trás e, num discreto movimento se foi.
João Cabral foi premiado com algo mais do que um Nobel da Literatura: “Morte e Vida Severina”, já foi encenado com trabalhadores do campo, sem os refletores dos palcos que confirmam o êxito na mídia. Quando um autor consegue estar tanto junto do povo, assim como foi Maiskovski na Rússia, não precisa de Nobel.
Para João Cabral, morrer era o fim de tudo. Para os milhares de leitores seus, espalhados pelo mundo, não houve fim. Cada vez que se lê Cabral, há um novo recomeço. É só experimentar.

‘João Aranha’

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