“O Brasil era uma colônia atrasada e proibida”
Em termos de conforto e civilização, o Rio de Janeiro também não tinha muito, o que lembrasse Lisboa. “Em 1808, haviam casinhas rente á praia. A maior casa era o Palácio de São Cristóvão, que hoje é próximo ao Maracanã”, conta o autor de 1808, Laurentino Gomes. Evidentemente, não havia onde hospedar os componentes da corte. Assim a corte simplesmente confiscou casas para serem ocupadas pelos portugueses – os donos seriam recompensados, mas isso nem sempre aconteceu. As casas escolhidas tinham pintadas as iniciais “PR”, de “Príncipe Regente”, mas o carioca, num espírito já bem próximo do atual, apelidou a sigla de “ponha-se-na-rua”.
O Brasil não tinha escola superior, industrias ou imprensa, não era permitida a construção de estradas, o comercio exterior (a no ser com Portugal) e nem mesmo a entrada de estrangeiros. “Era uma colônia isolada, atrasada e proibida”, diz o escritor. “Tudo começa a ser construído do zero, com uma velocidade muito grande”. E assim começou a construção de novas igrejas, ruas e palácios.
Foi construído o Aqueduto da Carioca e criado o Jardim Botânico. “E é bom lembrar que, na época, ele não era um lugar de passeio, mas um centro de pesquisa”, conta ele, lembrando que os portugueses levavam para lá espécimes colhidas no exterior, como a cana-caiana – que veio de Caiena, na Guiana Francesa. Explosivos derrubaram morros na revolução urbanística comandada pelo brasileiro mais influente do período: o desembargador Paulo Fernandes Viana.
O carioca Viana morava em Portugal, voltou ao Rio de Janeiro com a corte e foi designado pelo príncipe regente para o cargo de intendente geral da policia. “Era mais que um secretário de segurança: era um agente civilizador”, diz Gomes. “Ele despachava todos os dias com Dom João e era o responsável por mudar a arquitetura das casas, pelo saneamento, obras para abastecimento de água, aterrar pântanos, abrir e iluminar ruas, organizar cerimônias da corte...”. ou seja, acumulava a gerencia do policiamento da cidade com funções de um verdadeiro prefeito. “Ele foi responsável pela transformação do Rio de Janeiro de vila colonial a capital do império”.
A ação mais importante aconteceu antes mesmo da corte chegar ao Rio de Janeiro, na parada de pouco mais de um mês que Dom João fez em Salvador: o anuncio da abertura dos portos às nações amigas (que, por enquanto, era só a Inglaterra, mas o conceito depois se expandiria para outros países). “Isso cominado com a possibilidade de manufatura marcaram o fim efetivo do período colonial”, afirma Gomes. Dom João criou a imprensa oficial, o Banco do Brasil, instalou a Casa de Suplicação (antepassado do atual STF), abriu estradas e fundou uma escola de Medicina. E quando chegaram os livros da Biblioteca Real, que haviam sido esquecidos no porto de Lisboa durante a fuga, surgiu o embrião da Biblioteca Nacional.
Navio português veio parar na Paraíba
Da frota de cerca de 50 navios que zarparam de Lisboa, um deles veio parar na Paraíba. A nau Dom João de Castro perdeu o mastro e teve sérios problemas de vazamento – por isso, numa emergência, aportou pela Paraíba antes mesmo que o Príncipe Regente chegasse a Salvador, em Janeiro de 1808. “A Paraíba soube da chegada de Dom João antes mesmo do Rio de Janeiro”, conta Laurentino Gomes.
Mas para o Nordeste em geral, a instalação da corte no Rio de Janeiro não trouxe benefícios imediatos – trouxe, sim, um aumento brutal dos impostos. “A corte chegou ao Brasil quebrada”, informa o escritor. “Por isso, uma das primeiras medidas foi o aumento da carga fiscal. E as capitanias do Nordeste foram as mais afetadas – e isso foi um dos motivos da Revolução de 1817”.
Nela, senhores de engenho de Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte se rebelaram com a pesada carga fiscal. “Não houve grandes benefícios para a região – pelo contrario – e ela ainda teve que pagara a conta”, analisa Gomes. Os revoltosos chegaram ao poder no Recife, mas a tentativa de independência fracassou e foi duramente reprimida.
Guerra entre Portugal de lá e de cá
Que Brasil a corte deixou quando o agora Rei Dom João VI regressou a Portugal, em 1821? “Sérgio Buarque de Holanda (jornalista e historiador) diz que a independência não nasceu da aspiração brasileira: foi uma guerra civil entre os portugueses de lá e os portugueses de cá”, conta Laurentino Gomes. Com a ameaça de Napoleão afastada há tempos e a força da economia portuguesa deslocada para o Brasil por causa da abertura dos portos, Lisboa passou a exigir o retorno da corte – o que desembocou na Revolução do Porto, em 1820.
Mesmo tendo sido libertada pelos ingleses, a metrópole estava arrasada economicamente pela guerra. O retorno da corte devia restaurar a dignidade de Portugal, mas com a monarquia mudando de absolutista para constitucional, graças ao fortalecimento dos ideais liberais no país. O Rei empurrou a decisão com a barriga por quase um ano, mas teve de voltar e jurar lealdade a uma constituição.
Porém, os portugueses “de lá” também queriam que o Brasil retornasse à condição de colônia, incluindo a reinstalação do Porto Colonial – pelo qual, o Brasil só poderia comercializar com Portugal, como acontecia antes de 1808. mas, para isso, era tarde. “Não havia mais como voltar atrás”, analisa o escritor. “Um Estado estava funcionando aqui”.
Os portugueses “de cá” não concordavam em perder os privilégios adquiridos nos 13 anos em que a corte fez daqui a sede do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves. E os brasileiros, governados por Dom Pedro – que ficou por aqui como Príncipe Regente – agora não estavam mais dispersos em capitanias isoladas umas das outras, mas unidos sob uma mesma identidade nacional. A chegada de Dom João e da sua corte ao Brasil, há 200 anos, e as mudanças que implementou no país puseram a colônia na marcha inevitável para a independência.
‘Renato Felix’
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