sexta-feira, 9 de maio de 2008

A CIÊNCIA DO AMOR

Essa contigüidade das mesas dos bares é que confere todo o ar venerável que possuem os bares que se prezam. E até os desprezíveis também.
É próprio dos bares.
Mas o pior é que você caba repartindo essa liturgia com os vizinhos de mesa, fazendo de todas as presenças uma espécie de concelebração.
Daí porque as observações dos cronistas não devem ser consideradas como inconfidências, nem muito menos como maledicências. Apenas fazem parte da ritualística da fé e dos predicados da casa.
Aqueles dois ali escolheram os seus lugares à minha esquerda, ensaiaram alguns beijinhos despudorados e começaram a se olhar com a expressão universalmente abobalhada de todos os apaixonados. Espiavam-se mutuamente, com a mesma atenção de um dermatologista investigando erupções na pele um do outro.
Foi ela que rompeu o silencio dermatológico e religioso:
- Este sinal não estava aqui ontem.
E assinalou com um toque do indicador a zona mapeada do rosto amado, com o interesse verdadeiramente cientifico de quem revela ao resto da humanidade uma nova galáxia.
A reação do namorado foi instantânea.
- Claro que estava aí. Toda a vida tive esse sinal. Você é que nunca reparou nele.
Disse isto e armou imediatamente um beicinho magoado, que deixou desolado o observador apaixonado e a sua controversa descoberta.
Estar ou não estar.
Era a questão.
A partir daí, um discussão; da mais elevada indagação filosófica e sentimental foi iniciada – em tons murmurados, ronronados, sussurrados, algumas vezes mais adivinhados do que pronunciados. Enquanto isso, os exames de apalpação e toque prosseguiam, cada vez mais detalhados, cada vez mais profundos, realistas... e nada científicos. Sabe como é isso, meu caro. O interesse da ciência, assim como do amor, no tem limites.
Num instante, lá estavam eles, às apalpadelas, pesquisando-se incontidamente, investigando-se, revelando-se, como Galileus Galileis dos achados imperdíveis desse universo insondável que são os abismos do amor.
O mundo cientifico jamais saberá o resultado desse acalorado debate. Mas eles os dois sabem.
É o que importa. Para o bem das ciências do amor.

‘Luiz Augusto Crispim’

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