sábado, 17 de maio de 2008

E QUANDO CHOVE…

A cidade amanhece debaixo de um céu borrado de tintas magoadas que escorrem do outro lado do planeta. É o mundo que não consegue reprimir o pranto olhando para dentro de si mesmo.
Chove sem tréguas neste lugar por demais marejado, que o sol em sua tabuada de luz, parece ter refugado além da conta.
Em cada vidraça, goteja um arabesco de desgostos desenhado de mil formas diferentes.
Na cidade, as chuvas costumam ser mesmo tristes. O chumbo derretido das nuvens, desce do alto para se juntar às tragédias empoçadas sobre o leito da terra e acabam estagnadas em boqueirões de tristezas profundas.
Nas terras altas do Karawa-Tã é diferente. Quando a natureza faz tenção de chuva, eles dizem por lá:
- Está bonito pra chover...
E chove bonito sobre a pelagem dos marmeleiros, encharcando a curva dos outeiros com a mesma languidez da chita molhada sobre o colo das moças donzelas que sequer tiveram tempo ainda de desabrochar.
A terra toda se aveluda.
E precisava? O que ela queria mesmo em sua alma vegetal era mesmo se desnudar de corpo inteiro, para se oferecer melhor às caricias do vento e da chuva.
É assim por lá.
No desalinho destes arruados cheirando a musgo molhado e ao que restou dos velhos quintais abandonados ao pisoteio das folhas mortas, as enxurradas afogam os gostos mais antigos, justamente aqueles que nunca aprenderam a nadar.
As pessoas acabam descobrindo recados clandestinos ainda mais tristes o enxergar o mundo através dessas vidraças por onde escorrem e se escrevem o lacrimejar dos destinos mal traçados pela caligrafia da chuva nos cristais insondáveis da vida.
E nas entrelinhas dos dizeres da chuva começam logo a surgir o que nem sempre as lembranças são capazes de lembrar na solidão dos sítios da memória.
Finda a gente exumando aqueles velhos papéis desbotados que jaziam no mausoléu das gavetas condenadas, embalsamados em dores que doem mais quando expostas à lousa fria das saudades.
Ah, como chove triste nos arruados desalinhados desta vida...

‘Luiz Augusto Crispim’

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