Sou também um livro que levantou dos teus olhos deitados. Em tudo o que riscavas, queria um testamento. Assim recolhia os insetos de tua matança, o alfabeto abatido nas margens. Folheava os textos, contornando as pedras de tuas anotações. Retraído, como um arquipélago nas fronteiras azuis. Desnorteado, como um cão entre a velocidade e os carros. Descia o barranco úmido de tua letra, premeditando os tropeços. Sublinhavas de caneta, visceral, impaciente com o orvalho, a fúria em devorar as idéias, cortar as linhas em estacas da cruz, marcá-las com a estada. Tua pontuação delgada, um oceano na fruta branca. Pretendias impressionar o futuro com a precocidade. A mãe remava em tua devastação, percorria os parágrafos a lápis. O grafite dela, fino, uma agulha cerzindo a moldura marfim. Calma e cordata, sentava no meio-fio da tinta, descansando a fogueira das folhas e grilos. Cheguei tarde para a ceia. Preparava o jantar com as sobras do almoço. Lia o que lias, lia o que a mãe lia. Era o último a sair da luz.
Fabrício Carpinejar
sábado, 17 de maio de 2008
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