quarta-feira, 28 de maio de 2008

OS GRILOS DO VIZINHO

O quintal do vizinho estava no maior escuro… Via-o da janela. A brisa que vinha de muito longe passava por lá e trazia o cheiro e os mistérios daquela noite. O quintal é grande, a casa bem recuada, e quase nunca tem gente. Parece que eles não são daqui, viajam muito.
Mas o quintal é bonito, apesar de rústico, meio abandonado. Vários coqueiros, mangueiras e mato nativo. Um paraíso para lagartixas, minhocas, pássaros e grilos. Os grilos sempre me chamaram mais à atenção. Fico pensando o que eles fazem durante o dia... ninguém os ouve, nem os vê. Só desencantam, aliás, só cantam à noite. Todo o filme de terror tem um fundo musical de grilos. Nada simboliza mais a noite do que eles.
Continuei na janela espiando a festa noturna do quintal do vizinho. A lua fuçava o ambiente, com as suas réstias, por entre as palhas de coqueiro. E graças à sua luz eu podia ver a silhueta do que havia no quintal. Um silencio gostoso, introspectivo, que só os grilos, não respeitavam. Era uma alegria danada. Que é que eles tanto conversavam? A impressão é de que havia outros personagens transitando na noite. Certamente passeavam as lagartixas, formigas, besouros, corujas... Corujas? Acho que não, elas não vivem em beira de praia.
Pensei em camundongos. Bem possível que eles estivessem por lá, assim como alguns sapos comendo muriçocas. Creio que a minha simpatia pelos sapos vai além da admiração por sua calma, sua maneira tranqüila de ser. Gosto deles porque comem mosquitos e muriçocas. Perdoem-me os ecologistas, mas não consigo simpatizar com as muriçocas...
Voltando aos grilos, estes sim, são encantadores. E cantadores, claro. E tem gente que é tão estressada que se ficar ouvindo o canto de um grilo não consegue dormir... capaz até de sir com um sapato na mão para esmagá-lo com o seu estresse. O estresse é fogo, atormenta e desfigura as pessoas.
De repente eles começaram a cantar com mais volume. Seria algum amigo que chegou para a noite? Que aliás, será que nesses sibilos no há algum meio de comunicação? Bem possível. Continuei na janela encantada. Mas que quintal bonito... meio selvagem. Os poucos tratos que seus donos lhe dispensaram até que lhes favorecem o aspecto silvestre. Lá em cima muitas estrelas miúdas brilhavam e pareciam também cantar como os grilos. Um canto de luz lá em cima e o dos grilos cá em baixo. Certamente esses grilos dialogavam sobre as novidades mais recentes, falavam de uma sapa que passava toda serelepe, ou de uma esperança que lhes causava inveja com a sua roupa toda verde...
Os passarinhos dormiam nos coqueiros... A lua já se afastava, o vento começou a soprar mais forte, e alguém me chamou lá dentro.
Dei a última espiada pela janela, e falei sem palavras:
“Adeus, grilos falantes! Continuem felizes. Aproveitem a vida!”

‘Germano Romero’

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