quarta-feira, 28 de maio de 2008

UM ROSTO

Apenas uma coisa inteiramente transparente: o céu, e por baixo dele a linha obscura do horizonte nos teus olhos, que pude ver ainda através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas num silêncio de hesitações. Há quanto tempo, tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo se enche de bolor e fungos; limpo os papéis, cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto- grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos por manchas vagas como aparições; e sinto, eu próprio, que uma parte da minha vida se apaga com esses restos.

Nuno Júdice

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