Vim de Brejo do Cruz. Tem uma montanha de pedra nessa cidade onde nasci. Fica mais ou menos a 400 km de João Pessoa. Morei em Campina Grande, depois fui para João Pessoa, onde tive oportunidade de ouvir rádio. Daí surgiu a vontade de tocar violão ouvindo Vital Farias, compositor que tocava guitarra no conjunto Os Quatro Loucos, em João Pessoa. Uma vez tive uma visão incrível: Os Quatro Loucos tocando na praça e Vital Farias tocava uma guitarra vermelha. Achei aquilo tão bonito. Naquele momento me deu vontade de tocar instrumento semelhante. Procurei aprender violão olhando as pessoas tocarem. Essas músicas de conjunto de baile foram muito importantes para mim. Durante cinco ou seis anos pratiquei exaustivamente músicas de todo o tipo, tocávamos quase quatro horas para as pessoas dançarem. Isso foi em 65, 66, durante a explosão da Beatlemania no mundo e da Jovem Guarda aqui no Brasil. Eu sabia quase todos os sucessos da Jovem Guarda. Toquei também no Os Demônios, The Gentlemen, Eles. Era como um time de futebol. O cara saía de um conjunto e passava para outro. Dessa fase eu não tenho vergonha nenhuma. Vital Farias tem um pouco de vergonha. Ele acha que compromete a imagem dele. Eu tenho o maior carinho por esse início. Foi o que me deu um embalo danado. É uma coisa popular. Com 15 anos de idade somos puros, não temos tanto intelectualismo na nossa cabeça. Tenho boas recordações dessa fase. Fazíamos as coisas pela intuição, pela animação, íamos na onda. Foi muito bom tudo isso. Tenho carinho e gratidão até hoje pelo pessoal da Jovem Guarda, principalmente pelo Renato Barros (Renato e seus Blue Caps). É um praça. De vez em quando me encontro com ele nos aeroportos, um cara que me trouxe muita alegria. A música dele, a minha, tanta gente.... Foi assim que aprendi. A gente ensaiava, era tudo profissional, tínhamos equipamento e ganhávamos nas apresentações.
Eu tinha um violão, mas vendi para comprar uma guitarra nacional, Giannini. Era a marca que tinha na época. Passei a ser guitarrista solo. Passei a tirar, copiar solos de muitos grupos, a ter uma certa habilidade com o instrumento. Quando larguei a guitarra, descobri as violas do sertão. Fiz imediatamente uma mistura, de forma a fazer aqueles solos com aquelas cordas dobradas. Foi uma mudança radical. Quando passei a tocar violão descobri o universo do sertão, do Nordeste. Passei a me interessar pelos cantadores, violeiros, o que foi fundamental para mim. Descobri a forma como eles escrevem os folhetos de cordel. Estudei ao lado deles. Otacílio Batista era urn dos maiores violeiros ainda vivos. Ficava atrás deles. Onde tinha cantorias de viola, onde tinha os desafios, na casa de fulano ou de sicrano, eu ia com interesse de absorver aquelas rimas, aquelas métricas. Passei a ler tudo que era livro de cordel. Eu estava a fim de mergulhar nesse universo, pois sabia que era minto importante para mim. Logo depois que comecei a absorver aquela escrita, comecei a fazer as minhas primeiras letras. Eu fazia versões para os conjuntos de baile. Eram versões infantis dos Beatles, de algumas músicas da época. Foram os meus primeiros exercícios, uma vontade danada de escrever. Paralelo aos conjuntos de baile, também já estava entrando na Universidade. Fiz até o segundo ano da faculdade de medicina de João Pessoa. Nessa época eu passei a ler muito, nunca li tanto em toda a minha, vida. Tinha vinte e poucos anos. Lia muitos livros esotéricos, poesia, Carlos Castañeda, discos voadores, eram os que mais me interessavam. E livros de alquimia. Absorvi muita coisa disso tudo no meu trabalho. Eu produzo uma certa química nas pessoas que prestam atenção no meu trabalho. Uma sensação de viagem. Comunguei também no início dos anos 70 com o psicodelismo, o LSD, aqueles chás de cogumelo, essas coisas todas foram importantes para mim. Misturei tudo isso e saiu a primeira leva de músicas: Avôhai, Vila do Sossego e Chão de Giz. Essas músicas foram feitas na época dessas experiências. Era 73. Essas experiências me deram intuição, vontade de projetar essas luzes para me apresentar como autor. Minha proposta desde o início era fazer uma coisa diferente, no sentido de idéias, criar situações, criar imagens com as letras e com o máximo de alucinação possível. Avôhai, por exemplo, tem a descrição de viagem na própria letra da música.
Zé Limeira era uma espécie de Salvador Dalí da literatura de cordel. Era o samba do crioulo doido. Não tinham racionalidade nenhuma as imagens que ele criava. Ficou conhecido exatamente por isso. Mergulhei muito na, obra dele. Ele dizia: Jogue tudo no ar, junte tudinho, instale-se mais completamente, o resto são imagens que fecham assim". Você começa a misturar essas coisas todas e atrai um lado engraçado, pitoresco, essa visão apocalíptica nos versos dele e pode ser visto como urna coisa seríssima. Essa época foi a de minha maior produção pela descoberta dessas emoções, de participar dos acontecimentos do mundo, dos festivais de rock, etc..
Eu curto muito essa renovação no meu trabalho. Teve tempo em que pensei que minha carreira tinha encerrado. A mídia junto com as gravadoras, fazem uma grande roleta girando. As coisas às vezes se configuram certas ou totalmente erradas. Já passei por tudo que você possa imaginar. Ascensões e quedas. Duas ou três vezes já fiquei no topo e tive a mesma sensação de queda e de vazio, ou seja, se não der certo as gravadoras não te querem mais. Tudo isso eu já passei e acho sempre que só se colhe o que se merece. Se isso está acontecendo com você, tem que saber a hora de sair, tirar seu time e preparar outro melhor. Se for assim, ainda dá tempo de ganhar o campeonato no segundo turno. Isso aconteceu mais ou menos com o disco Antologia. Com Chão de Giz, que fiz nos anos 70, eu falei em camisa-de-vênus. Elba regravou esta música no ano passado, no disco Leão do Norte e essa música voltou às paradas de sucesso 20 anos depois, já com a AIDS pairando. Na época quando falei em camisa-de-vênus, eu estava falando no corte do prazer, você se privar do prazer carnal e total. Jamais imaginei que iria acontecer a AIDS nas nossas vidas. Ela regravou a intensidade da camisa-de-vênus que na época entrou como urna casualidade, ela projeta isso novamente, e a torna contemporânea. Essa música foi feita para um amor platônico que tive por urna mulher casada. Eu era garotão, ela era uma mulher de um industrial e muito rica. Ela me dava uns flertes, e isso me inspirou essa música. Eu tinha mais ou menos vinte anos. Inocente, burro e besta como dizia Raul.
Admirável Gado Novo tem mais ou menos a mesma situação. Ela veio a fazer sucesso muitos anos depois, agora na novela Rei do Gado, corn o problema dos sem-terra, e ganhou projeção corn esse problema social que tem o Brasil. Foi uma grande surpresa. Ela primeiramente saiu em 1973. Eu investi muito nessas canções pelo fato de você sempre apresentar, quando você está gravando, material novo. No tempo em que a gente está vivendo, é como atirar pérolas aos porcos. Não dá tempo de absorver tudo. Eu passei quatro anos sem gravar. Eu investi nessas canções, fiquei tocando em todos os meus shows. Eu tenho uma agenda anual de shows pelo Brasil que faço há mais de 15 anos. Duas vezes por ano eu rodo o Brasil todinho, sempre tocando essas mesmas músicas. Houve rima espécie de renovação de público. Os filhos dos amigos que me acompanhavam no início da minha carreira, hoje freqüentam os meus shows. Trabalho também junto com esses componentes e muita coisa aconteceu de uma vez só. O show O Grande Encontro, com Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo, também demonstrou uma unidade. Uma espécie de alinhamento do trabalho com essa época que estamos vivendo. O Grande Encontro foi de total liberdade para cada um.
Eu aprendi muita coisa da cultura estrangeira, muita coisa de rock, música indiana, absorvi tudo isso, às vezes a gente pode errar quando mistura muitas coisas. É assim que é o trabalho de um alquimista, o mundo é assim, vai-se errando, acertando... Alguns discos que fiz não foram bons. Eu exagerei. Fui muito criticado por estar me tornando um artista pop: às vezes a gente anda por carminhos que só a gente vai entendendo. Isso é pra dizer que eu absorvi muito das coisas e muitas vezes eu extrapolava. De qualquer forma isso serve para quê? Para demonstrar um conhecimento que você adquiriu e que às vezes entra em processo de explodir. Você tem que explodir de qualquer forma. Isso tudo me trouxe várias culturas lá do Nordeste. Quando quero me encher de idéias, eu mergulho na obra do Nordeste, isto é, passo a ler os cantadores, a ouvir Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, João do Valle, ler João Gabral, e principalmente os poetas populares que me dão a sensação de estar mergulhando profundamente naquele universo. Me reabasteço de energias. Não sou pastor de religião nenhuma, porém eu propago uma forma das pessoas olharem mais para o alto e de se sentirem mais amigas umas das outras. Tento passar isso nas minhas mensagens. Música é para botar as pessoas para viajar. Com palavras, principalmente, é mais difícil ainda.
Em 75 vim com Alceu Valença para o Rio no show "Vou Danado pra Catende", que fazíamos no Teatro Teresa Raquel. Tocava violão de 12 cordas, viola de 10 e ukulelê, instrumento havaiano de 4 cordas. Esse trabalho me deu uma projeção pois também fazia direção musical do show. Foi uma projeção boa. Dei muito do meu trabalho, da minha árvore para o trabalho de Alceu. Eu arrasava no meu trabalho, porém ninguém me conhecia ainda. Eu já compunha. Quase um ano depois, aqui no Rio de Janeiro, eu já estava ralando, já tinha saído da banda do Alceu e estava definitivamente aqui naqueles longos corredores das gravadoras. NaqueIe tempo era difícil gravar. Minha música não era considerad viável. Àquela época eu era zero do zero. Foi Carlos Alberto Sion quem conseguiu uma demo para mim no estúdio da Polygram. Eu gravei essa demo. Sion estava produzindo Fagner e outros artistas. Eu fui bater na mão dele. Esse cabra foi quem produziu o meu primeiro disco. Quando fiz minha demo ele me deu um rolo de fita e mandou eu ficar apresentado às gravadoras. Foi com essa fita que eu rodei todas as gravadoras do Rio de Janeiro. Isso exaustivamente, o ruim era você se manter asseado todo dia quando acordava. "Eu vim para ca com minha viola, uma sacola e parei na rodoviária", como diz a música do Belchior. A época era muito dura. Eu dormia em banco de praça, em frente ao Copacabana Palace nas areias, na Praça Saens Peña, na Tijuca, e em carros de amigos que me deixavam dormir no banco de trás. Vim para cá sabendo que ia encarar essa barra pesada. Porém com a idade que eu tinha e com o que tinha vivido, com a loucura que estava na minha cabeça na época de hippielândia, não tinha problema nenhum para mim. O ruim era você se manter limpo e asseado todo o dia porque também recusei ajuda da família lá de João Pessoa, senão ficava muito fácil. Eu queria saber se eu era tão espertinho assim.
As pessoas escuitavam e não entendiam e realmente devia ser muito difícil para elas entenderem. Achava que aquilo não iria vender. Jogavam os papeis sobre as mesas. Fui de gravadora em gravadora, até que um dia fui na CBS, onde os nordestinos estavam começando a entrar e o Jairo Pires escutou Avôhai na minha frente. Ele era um cara espiritualizado e bateu no paladar dele. Eu vi a cara dele quando ele escutou. Arregalou os olhos e disse: "Vamos gravar". Era a última gravadora. Já linha percorrido todas. Puxa vida! Tava aquele inferno de nordestino cercando a CBS. O disco do Fagner estava indo muito bem. Era o disco de estréia dele, 30.000 discos naquela época era um escândalo. Só quem vendia era Roberto Carlos. Aí os nordestinos começaram a vender e eles ficaram de olho. Se esse cara vende, vamos ver se esse tal de pau-de-arara... O cara deu essa brecha, botou meu disco aí, foi gravado em novembro, saiu em janeiro e fevereiro alucinadamente. As rádios descobriram Avôhai em 78 e Avôhai concorria com Vila do Sossego. Tenho documentos da época. Nem eu sabia corno controlar isso. Sem saber o que era direito autoral, editora, etc., não sabia nada direito. Perdi muito dinheiro naquele momento, porém essas músicas me dão aIegria e prazer até hoje.
É muito difícil você manter o talento num país como o Brasil, não por falta de condições, pois hoje a tecnologia aproxima mais. E pela selvageria da mídia. É implacável, a menos que você queira fazer aventuras, não se importando em fazer jogadas com os cartolas das grava doras. Eu queria fazer dinheiro, ficar famoso, e não me importar muito com críticos. Meu trabalho se encaixa quando estão acontecendo os discos, as músicas. Sou um cara solicitado para aparecer nos programas dominicais de grande audiência, assim como dezenas de artistas. Contudo a manutenção de um artista no Brasil, você tem que ter muita disposição. Num país grande como esse, você tem que gostar de viajar e ter paciência de ir de Roraima a Porto Alegre de norte a sul, de leste a oeste toda hora, e é assim que você mantém um trabalho. Você tem que estar sempre ligando as pessoas à você, ao seu trabalho. Há sempre uma avaliação da gravadora, de produtores de programas de auditório, enfim você tem que corresponder a essa expectativa. O cara que está começando não está preparado para essas coisas, tem que apanhar um pouco, se você quer prolongar sua carreira, você tem que estar muito atento. No futuro, poucas pessoas vão fazer 10, 20, 30 anos de carreira. Tudo vai ser muito rápido. Vão aparecer artistas que venderão milhões de discos e desaparecerão rapidamente. E isso vai ser uma coisa normal. No final dos anos 60, as pessoas eram muito amigas e tinha-se mais persistência. Os valores humanos eram tidos mais em conta. Vivia-se em comunidades, trocavam-se idéias. Você chegava sem medo para as pessoas. Falo com muito carinho dessa época. Eu aprendi muitas coisas. Tudo naquela época eram acontecimentos políticos: a música, as artes, o comportamento, a chegada da era de Aquário, a revolução sexual, o Oriente no Ocidente. Muita coisa foi plantada nessa época, e tudo muito natural, muito ligado à terra. Já morava no Rio, mas também vivia períodos no Nordeste. A manutenção dos sonhos dos hippies era uma coisa de irmandade: dividia-se a comida, o sexo, etc... Hoje, final de milênio, parece final dos tempos mesmo, com clones, cyborgs, andróides, etc...
Sou de uma geração privilegiada, madura de vivências múltiplas. Vou viver a passagem do milênio. Sou fascinado por avanço, acho isso tudo muito inspirador: imaginar espaços, outros mundos, outras criaturas, a amplidão. Isso tudo me inspira muito. Mando sempre mensagens espirituais através das mídias, como disco, CD, vídeo, etc... E um modo de me comunicar com as pessoas. Acho que todas as artes se interrelacionam. Várias músicas que fiz saíram depois de ver alguns quadros de Salvador Dalí. É alucinante: quadros enormes, criaturas esquisitas, etc. Fico sempre ligado na sensibilidade e procuro passar isso para as pessoas. Cada pessoa é uma antena. Você mostra uma coisa e a pessoa capta.
O meu livro Carne de Pescoço é de 1982. Reuni vários escritos feitos em quartos de hotéis pelo Brasil afora, numa solidão danada. Sentia uma compulsão incrível, então não parava de escrever. E uma espécie de música total. Vários parceiros (Fagner, Jorge Mautner, Robertinho do Recife e eu mesmo) apareceram através dos versos desse livro. O livro não se encontra nas livrarias. Foi parte do acerto de renovação de contrato com a CBS.
Todo dia acordo cedo, leio, ouço música, toco. A cabeça está fresquinha. E bom para pensar, pensar, pensar. Tudo que imagino chega mais fácil numa rede. Sou extremamente caseiro. Tenho uma coleção de fitas de video alucinante. Passo horas vendo cinema. Bastante coisa de ficção científica, filmes B, gosto de me divertir vendo cinema. Adoro viajar, tenho uma equipe que já trabalha comigo há bastante tempo. Gero emprego para muita gente. Tenho um gravadorzinho que vive ao meu lado. Quando acordo no meio da noite, às vezes tenho umas idéias de música, umas frases. Pulo da cama, pego o violão e gravo. Um, dois dias, uma semana depois, volto a reouvir. Fico matutando na cabeça. Não deixo passar não, senão a gente esquece. Temos que valorizar esse momento. Se deixamos passar, vamos pensando em outras coisas. Todos os meus livros são pensamentos musicais.
Eu procuro muito a energia do povo. Aquele monte de gente olhando pra você no palco, você passa a ser o centro de atenção. Você está canalizando um vetor de uma série de intenções e pensamentos que são dirigidos pra você. Procuro trabalhar muito com isso. Não me considero entendedor de nada não, mas sinto as energias das pessoas. Às vezes pessoas atiram latas no palco, é uma barra. Você tem que aprender a lidar com essas diferenças louquíssimas. Há um grande prazer nisso tudo. Sem prazer não daria pra fazer nada mais.
Já passei por tanto inferno com as drogas. Consegui sair disso sem tratamento, sem psicanalista, numa espécie de autociência. A Roberta Ramalho, minha esposa, me ajudou muito nessa época. Eu ficava muito nervoso, mas procurei sair. Simplesmente você tem que achar a mesma porta por onde entrou e sair, já que você esquece onde ela está. Depois de tanto inferno que vivi, isso me afastou muito da avaliação das gravadoras. Passei a ser muito repudiado, tido como muito louco, intoxicado, difícil de trabalhar. Precisei apagar essa imagem também, e consegui. Saí disso tudo. E muito difícil, eu entrei e fui fundo demais nas coisas, mas tenho uma saúde muito forte. Esse momento que estou vivendo é o que me interessa. Essa felicidade familiar que estou vivendo com Roberta e todos os meus filhos. Você tem que saber o que é bom e o que é ruim para você. Tudo que aconteceu foi a forma, a estrada de chegar até aqui. Batalhei muito e eu estava perdendo o controle do meu trabalho em função da interferência da minha vida particular. Tudo é necessário no momento dessa vivência.
Quando convidei Zé do Caixão para posar para capa do meu disco A Peleja do Diabo com o Dono do Céu (1979), a gravadora achou um absurdo. É uma capa performática: estão lá Helio Oiticica, Xuxa Lopes e Zé do Caixão. Pensei: se a capa está causando tanta indignação, é curiosa e original. Foi uma confusão danada.
Desde cedo trabalho com Geraldo Azevedo. Elba Ramalho e eu fazíamos teatro juntos em João Pessoa. Tomávamos cachaça e ficávamos juntos de madrugada na praça conversando sobre tudo: música, arte, sobre o sul maravilha. Tomávamos cachaça e tocávamos violão. Várias vezes fazíamos isso.
A Vila do Sossego era uma casa de praia. Depois da temporada com Alceu no Rio voltei para recuperar as forças no Nordeste, e uma tia minha tinha essa casa. Aí eu coloquei uma placa. Vila do Sossego. Em 73 essa casa tornou-se um ponto de encontro de artistas de João Pessoa que se reuniam para fumar um baseado, tomar umas, conversar sobre arte e outros rumos. Provocou um grande tititi na cidade. O que aparece na música são citações desses encontros. Tudo era muito louco e muito novo nas nossas vidas. A gente era chamado de viado e outros termos da época. Era muito difícil, estávamos em plena ditadura. Tomamos muitas porradas e hoje triunfamos.
Nós, Raul Seixas e eu, dentro do contexto de música brasileira, desenvolvemos uma linha de música muito próxima. Só que Raul é o antecessor. Quando ele começou, me envolvi muito com o trabalho dele, que muito me inspirou. A mistura de Raul e Bob Dylan era muito instigante pra mim. O trabalho de Raul tinha aquela coisa de Nordeste e também de mexer com a filosofia popular que existe no Brasil. Depois que ele morreu, eu fiquei mais ou menos órfão. Esta linha de que estou falando é dentro da avaliação que se faz de autores de música brasileira. Pouquíssimas pessoas trabalham com essas letras malucas, estranhas, cheias de símbolos e que atraem certo tipo de gente. Ele deixou milhares de fãs. Depois que ele morreu, essas pessoas me procuram muito, vão aos meus shows e ao mesmo tempo comecei a cantar algumas músicas de Raul. Estou corn um plano de fazer um disco corn músicas dele. Kika Seixas, a viúva de Raul, me procurou recentemente e me passou alguns originais para musicar. Quero fazer esse disco na virada do milênio. Esse projeto vai ser quente. Minhas coisas têm uma programação.
Tenho fascinação por Bob Dylan desde a Paraíba. Eu era um cara muito curioso. Na rádio Borborema de João Pessoa tinha um acervo de discos que nunca tocava na programação, o discotecário era meu amigo e deixava que eu mexesse em tudo. Achava coisas que pensava que nunca ouviria em minha vida. Eu gravava isso tudo em fita e ficava cru casa horas e horas ouvindo. Tive acesso a Dylan através desse processo. Letras longas como as de Dylan me fascinavam. Um puta poeta! Eu não sabia inglês direito na época, então eu pedia ajuda a professores. Eles traduziam para mim e eu ficava horas e escutando. Um grande mensageiro! Um grande profeta! Aí pensava: você pode fazer uma música com uma estória longa sem se preocupar com o tempo, que vão tocar na rádio, fora dos padrões. Me iluminou muito. Tudo que a gente ouve, a gente absorve. Você vai misturando com o seu potencial próprio, seu talento. Agente tem que perceber essas passagens de informações. Somar isso. Se você não acerta logo, paciência, acerta na próxima.
Estou com planos de gravar um disco novo. Ele está prontinho na minha cabeça. Devo começar a gravar depois da Copa, em julho. O nome do disco será Eu Sou Todos Nós, que é uma mensagem de uma das músicas do disco: "Eu não sou eu / eu sou você / eu sou todos nós / hoje eu mais nada faço / eu somente falo pela tua voz / hoje durante um segundo fiquei a sós / S.O.S. com o mundo / hoje encontrei no fundo do poço meu rosto / e agora posso saber que eu sou eu / eu sou você / eu sou todos nós". Depois do disco Antologia. vou apresentar um disco com pacoles de músicas inéditas. Vou fazer este disco. O segundo sera Nação Nordestina, um CD duplo. Tenho que fazer este apanhado para gerações futuras. Vou fazer 20 gravações dos maiores artistas do Nordeste de todos os tempos: Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga João do Valle, Dominguinhos, Anastácia, e mais um monte de gente de quem nunca se ouviu falar. Vou fazer regravações ramalheadas, ou seja, uma leitura desse universo ao meu modo, ao meu estilo. Tenho que fazer isso. A capa, será alguma coisa tipo colagem, Sargent Pepper’s dos Beatles com todo mundo. Um disco que seja viável comercialmente e um documento forte. Um projeto romântico e ideológico. O seguinte será o do Raul para a entrada no novo milênio.
Depoimento dado a Jorge Salomão no dia 17 de fevereiro de1998 na Jerimum Produções, Rio de Janeiro.
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