terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Lelouch, caligrafia, etc.

Conheci Claude Lelouch quando ele veio ao Rio de Janeiro pra lançar o bacana e incensado “Un homme et une femme”. A sessão especial foi no então teatro da Aliança Francesa, no centro carioca. Mas, isto é outra história e poderá ser outro registro. Afinal, o Super-Homem retornou e poderá dar novo(s) curso(s) à História.
De Lelouch, também é bacana “Vivre pour vivre”, com foco principal no ser, estar, pensar, agir e amar de um jornalista francês sempre pautado para matérias em zonas de guerra.
Não sou um jornalista correspondente de guerra entre países. Minha guerra é outra. É comigo mesmo. Por isso, às vezes admito viver por viver. Mas, escrever por escrever não é fácil, caros amigos. Seis dias por semana, o ofício de entregar uma coluna. Desde que a informática foi adotada pelos jornais, não é mais entregar. No caso d’Essas Coisas é editorar mesmo.
Foi naquele dia que dei um salto no escuro pra ser parceiro do futuro na reluzente galáxia, como em “2001”, de Gilberto Gil. Saltei da esferográfica pro teclado, com esc, control, insert, del, num lock, etc. e tal. Nada me abalou nesse salto. Não fraturei nenhum dos ossos. Não cansei. Enfim, o cérebro eletrônico não manda. O meu, sim.
Estações depois, visitei Belchior no seu ateliê, em São Paulo. O compositor, lá, com dezenas e dezenas de quadros nas paredes, livros e livros - a maioria, raros -, pacientemente com uma caneta, fazendo sua tradução pra “Divina Comédia”. Não era esferográfica, mas uma caneta, sim, com o tinteiro ao lado, sobre o birô. Perfeccionista, Belchior também vinha, e vem, fazendo as ilustrações de sua tradução, que deverá sair impressa em manuscrito, mesmo. Fantástico. Conservador? Não. Da mesma forma que “o preto-e-branco passa a ser revolucionário” (Gustavo Magno, em “Signos, sinais, signos”), a caligrafia assume a mesma rota. Sabe que, naquele instante, no ateliê, vi em Belchior um dos homens-livros de ‘Fahrenheit 451”?... Ele me disse que era preciso preservar a caligrafia, como extensão da impressão digital.
Quando voltei de São Paulo, cheguei com nova idéia pro meu cotidiano. Fui à prática. Numa manhã, Walter Galvão entrou numa das salas de redação e perguntou: “O que é isso?”. Chamou Nonato Bandeira pra conferir. Eu estava escrevendo a coluna num caderno escolar Jeans, que comprei pra isso. Respondi: “É pra não perder a caligrafia”.
De lá até este sétimo ano de admirável século novo, sempre que posso, quando o tal do “horário industrial” não nos empurra muito contra a parede do pensar, escrevo a coluna no caderno. Depois, faço sua editoração, diretamente neste espaço. Sempre que fico só em alguma mesa de quiosque, restaurante, bar ou coisa parecida, aproveito pra escrever em qualquer papel. Assim, venho mantendo a caligrafia. Não é mais aquela dos vinte anos de boy, mas conserva-se como extensão da impressão digital.
Também termina como uma maneira de misturar bem as aptidões de compositor e escritor e não criar nenhum conflito entre Victor Hugo, Marcel Proust e Graciliano Ramos, entre Klebnikhov e Allen Ginsberg, James Dean e Macaulay Culkin, Fred Astaire e Michael Jackson, o MPB-4 e o Rappa, Pixinguinha e Hermeto Paschoal, os velhos e os novos, brasileiros e americanos, ingleses e cubanos, pois nunca pretenderei estar em busca de algum tempo perdido. Minha mãe, que não está mais por aqui, sabe que há muito, há muito tempo, eu fui pra longe.
A fórmula será cumprida até o último dia da minha atual passagem pela Terra: viver somente por viver e não escrever somente por escrever. Escrever é preciso.
- “Carlos Aranha” -

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