Desde a reconstrução pombalina de Lisboa, na sequência do mega-sismo de 1755, a nossa capital tem vindo a ser sucessivamente considerada uma das mais belas cidades do mundo. O seu assento em sete colinas tem sido apontado como um dos factores dessa beleza, tal como aconteceu com Roma ou Constantinopla, mas a sua situação à beira do Tejo, junto ao oceano, confere-lhe um toque peculiar, que mais se acentua por ser a única capital da Europa à beira do Atlântico.
Quem vive no Barreiro tem a diária oportunidade de ver Lisboa de frente, deitada na margem do rio, alongando-se por variados quilómetros, em fabuloso mosaico de formas e cores. Desta margem esquerda, a capital parece em repouso do esforço milenar dos seus filhos, enquanto aguarda que os séculos continuem a correr.
Infelizmente para os portugueses, neste ano da graça de 2007 a cidade não repousava. Tinha, simplesmente, entrado em estado de coma vigil, e receava-se muito pelo seu futuro. Qual bela adormecida, aguardava o beijo da ressurreição.
Mais uma vez, em menos de três anos, a Direita portuguesa, que detinha maiorias absolutas do PSD e do CDS-PP, na Assembleia Municipal e no Executivo lisboetas, entrou em auto-corrosão plena, rápida e efectiva, que tornou o Município totalmente ingovernável e à beira de ser engolido pelo maior buraco orçamental de que há memória em autarquias portuguesas.
Sabemos hoje como a parte de leão neste descalabro único foi da responsabilidade do PSD, mas o CDS não está isento; de um modo genérico, até as forças políticas da oposição interna acabaram por apanhar os seus salpicos de lama.
De qualquer modo, chegou a hora da verdade, no passado domingo, em que os lisboetas foram às urnas, em eleições intercalares.
Como previmos na passada semana, a abstenção foi mesmo um susto – 62,61%, para ser exacto, mas uma parte da abstenção é falsa, por falta de limpeza dos cadernos eleitorais.
Vários factores contribuíram para aquele número. Campanha eleitoral mortiça e incolor; quase sempre se debitaram lugares-comuns, em vez de mensagens políticas. O circo não prestou e o público deu por isso. Os candidatos verdadeiros foram meia-duzia; o resto foi folclore oportunista. O eleitorado tomou nota.
Os candidatos dos partidos eram relativamente fracos, com excepção de António Costa. Os lisboetas repararam. Os concorrentes anti-partidos viviam em comunhão de bens com os ditos partidos, até as eleições terem sido anunciadas. Os alfacinhas não se iludiram.
O PSD e o CDS-PP pretenderam apresentar-se com a virgindade politica subitamente restaurada. Os cidadãos nem sequer sorriram do atrevimento destas pseudo-noivas de Santo António. No fim de tudo, o dia da votação nem esteve bom de praia. Senão…
No balanço final, António Costa é o novo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, eleito com 29,54% dos votos, cabendo-lhe 6 Vereadores. Vence em todas as 53 freguesias da cidade, o que parece feito inédito; o facto é que, quer o PSD, quer o PCP, perdem a anterior maioria que detinham em grande parte das freguesias. O mapa de Lisboa é agora totalmente cor-de-rosa. Quem o diria, há meses atrás? António Costa e José Sócrates estão de parabéns, pela visão larga dos problemas que demonstraram.
Carmona Rodrigues teve 16,7% dos votos (Lisboa com Carmona) – 3 Vereadores - e Helena Roseta 10,21% (Cidadãos por Lisboa) - 2 Vereadores - ; ambos tiveram bons resultados.
Fernando Negrão, apesar da sua simpatia, foi o grande derrotado, com a lista do PSD a receber apenas 15,74% dos votos e 3 Vereadores. O PCP de Ruben de Carvalho perde também eleitorado, com a lista a recolher 9,53%, mas a manter 2 Vereadores. O Bloco de Esquerda também desce e Sá Fernandes tem 6,81% e 1 Vereador.
Outro grande derrotado foi Telmo Correia, com um CDS que se ficou pelos 3,7% dos votos. Não foi eleito, o mesmo acontecendo aos restantes candidatos.
Pela primeira vez, em muitos anos, a Direita portuguesa foi vassourada da Câmara Municipal de Lisboa, onde passa ter apenas 3 Vereadores nominais, embora detenha ainda a maioria absoluta na Assembleia Municipal. No rescaldo inevitável, uma vasta convulsão sacode agora esses partidos.
O PSD apercebeu-se subitamente que não terá nenhuma hipótese, se chegar às Legislativas de 2009 com Marques Mendes a liderar; este antecipou-se à inevitável contestação interna, e pediu eleições directas do Presidente a curto prazo, apresentando a sua recandidatura. Os seus adversários habituais foram apanhados em contra-pé e ainda não decidiram o que fazer.
Paula Teixeira da Cruz demitiu-se da Presidência da Concelhia de Lisboa, e pretende ficar como Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, o que Helena Lopes da Costa lhe contesta, com os santanistas por detrás.
No CDS Telmo Correia sai da liderança da bancada parlamentar, e Paulo Portas vai de retiro, para meditação, pois a sua estratégia falhou em toda a linha, e o seu candidato nem eleito foi. Os regressos nem sempre são sucessos, que o diga Napoleão, que voltou do exílio na Córsega para o Governo dos 100 dias, antes da Batalha de Waterloo, que também perdeu, acabando os seus dias na ilha de Santa Helena.
Não acredito, à partida, que estas eleições sejam já o Waterloo de Marques Mendes e de Paulo Portas. Mas que a Direita necessita desesperadamente de renovação, isso é indiscutível. E não será decerto com eles que se irá renovar. E o país não esquece que, com eles, já viveu demasiados sonhos maus.
Entretanto, a Lisboa adormecida aguarda que a nova Câmara lhe insufle o beijo da vida.
-“Miguel de Sousa” – in Jornal do Barreiro – 20-07-2007
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