sábado, 19 de janeiro de 2008

ELIS NÃO VAI ‘DESPETALAR’ – “25 ANOS DEPOIS”

No “Clube do Hurí” a menina Elis é uma timida esterlina no palco da Rádio Farroupilha, sob o zelo de dona Ercy que assina o figurino. Entre o rádio, conjuntos e orquestras dá se o seu crescimento musical. E quando ganha nome de cantora vai ao Rio de Janeiro gravar o seu primeiro disco.
Em 1964 é quando decide ir embora de Porto Alegre para dedicar-se à carreira, tendo em vista a gravação do primeiro disco pela Philips em 1965. A noite carioca abria brechas à gaúcha Elis que muito em breve seria chamada de “Hélice”, devido ao movimento dos braços – gestos primeiros nos palcos de estréia de platéias primeiras: coreografias ensinadas pelo bailarino Lenine Dale, que lhe rendera experiência para novas posturas cênicas no “O Fino da Bossa” – programa da TV Record – até chegar a grandes montagens e definir-se como cantora incorrigível. Elis: a fina filha da Bossa.
“O Fino” também era palco do sambista Jair Rodrigues – que contracenava com a cantora e que esbanjava talento, vitalidade, até hoje. Em sua apresentação nas atrações da Festa das Neves, em João Pessoa, Jair homenageou a sua parceira (amiga-irmã) cantando “Arrastão” de Edu Lobo – musica que levou Elis ao estrelato. Emocionou a multidão que lotava a Praça do Bispo e ruas adjacentes, rememorando o 25º aniversario da morte da artista. Sambista da “Estação Primeira” desce em procissão, Bangalô de zinco não se fecha, abre brecha ao morro de “Chão de Estrela”.
Elis foi dando vôos mais altos com o surgimento de novos compositores. O faro aguçado da cantora garimpava perolas (valores musicais) em solo brasileiro lançando-os ao sucesso. Artista respeitada no Brasil e resto do mundo. A Baixinha bonita como as violetas, quando cantava erguia-se; gigantesca. Podia rebentar-se roseira nalgum jardim em primavera. Às vezes em erupção: pimenta ardendo, acesa.
“Cantar é sacerdócio” – diferente de negocio. Não queria sócio neste espaço. As palavras de Elis não eram necessárias munições cotidianas – talvez justificando o seu comportamento defensivo -, suas palavras musicais, porém, eram transformadoras; engajamentos sociais, qualificações artísticas, posições políticas, humanas. Essa mulher de sorriso largo tinha a alegria do carnaval: voz afinada, braços girando na batucada do samba. O palco – picadeiro e morada: o bobo da corte não entrega os guizos. Diante dos desafios não inventava desvios.
“Cai o rei de espadas;
Cai o rei de ouros...
Cai não fica nada.
Cai, cai o rei!”
“Transversal do Tempo” propunha saídas em meio ao engarrafamento do país ilhado pela ditadura, onde acampavam os generais e suas imposições, convocando brasileiros ao exílio.
“Divido tudo, mas o palco eu não divido com ninguém”: morada segura da “dona da voz” – parafraseando o apelido dado a Frank Sinatra. Palco é morada, referência de presença, voz e morte: “Quando eu envelhecer como Edith Piaf vão me levar ao palco”
Essa mulher de sorriso largo tinha a alegria do carnaval: voz afinada, braços girando na batucada do samba. O palco – picadeiro e morada: o bobo da corte não entrega os guizos.
“O compositor me disse” que “a rosa não vai despetalar”: nem flor nascida em pedra, nem “pedra transformada em flor”. As palavras de Elis são rebentos da primavera.
Numa noite de show – a orquídea azul – cantando e chorando “Até ao Fim” sem desvencilhar-se “das coisas que ele quis dizer”.
A (sorridente) morena e suas reflexões noite a dentro: o corpo dourado de uísque, a vitrola, arrastada pelo vôo da imaginação. Não quis falar com Deus, nem com ninguém. Deixou um recado: “quero ficar a sós”.
Elis – Ordem; Regina – Progresso, encravados na bandeira brasileira. As mãos cruzadas, contraditórias. Silencio sem a voz revolucionária. “Saudade do Brasil” prefigura saudade de Elis.

‘Francisnaldo Borges’ – Poeta e Cronista

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