O cronista é uma espécie de apenado. Como qualquer Sísifo que se preze, vive condendo a rolar de montnha acima, diáriamente, o seu rochedo, para vê-lo despencar no fim do dia, enquanto se prepara, resignadmente para começar tudo outra vez na manhã seguinte.
Não, meu caro leitor, não é uma queixa. É uma confissão. A crônica diária é uma expiação pública do pecado da originalidade.
Isso mesmo. Antes de ser um Sísifo, todo o cronista é um Adão seduzido pela serpente da vaidade, deixando-se envolver pela paixão da originalidade, o mais original de todos os pecados capitais.
Finda o personagem mitológico levando uma enorme vantagem nessa história: ao menos em sua alegoria conhece a pedra que empurra de encosta acima pelos tempos sem fim. Já essa infindável procura do assunto para a crônica é suplicio que nos faz arrastar todo o dia um mistério singular.
Às vezes, na tentativa de atalhar esta ou aquela subida mais ingreme do meu outeiro, doce purgatório que já dura à mais de trinta anos, recorro a antigas purgações.
Velhas crônicas de carne e osso, que o crônista inventou, fazendo jorrar sangue na sua pedra.
É sempre um adjuntório na subida do penhasco.
Ainda agora, deparei com um texto que escrevi há mais de quinze anos e que invoca a chamada "condição humana" no mais puro sentido adoptado por André Malraux.
Pensei que estava com a crônica feita.
Mas a humana condição impressa nas páginas da vida já não é a mesma que leva a assinatura de Malraux. Decorridos todos esses anos, entre o céu e a terra, entre o pecado e a expiração, nem eu mesmo reconheço a minha assinatura.
O que terá mudado nesse meu viver? Mudei eu ou a minha caligrafia de vida?
As pessoas, essas bem sei que mudam. O caminho já não é o mesmo. As pedras que serviam de sentinelas do mundo, guardando as escarpas da vida, até mesmo estas mudaram de figura. Só os desfiladeiros continuam vertendo sonhos de morte aos pés dos suicidas.
Já não é a mesma a condição humana que carrego dentro de mim. Ano após ano, foi ficando cada vez mais dificil reconhecer o meu rochedo. Quem sabe, não será a pedra mais humana do que eu? Ou melhor, não serei eu a pedra no caminho?
No dizer do poeta, no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho. Mas como vou saber que a pedra não era eu?
- “Luiz Augusto Crispim” –
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário