terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Meu “nada consta”

Até que no silêncio da madrugada como agora é bom escrever sobre o assunto de hoje, ao som de “Soul rebel”, com Bob Marley. Admitindo que existe Cidade Negra, enquanto Belchior canta que quer “um gole de cerveja no seu colo”.
O assunto de hoje não é pessoal, mesmo sendo. Entenda-se: a partir do pessoal, envolve-se toda uma geração que lutou, e ainda luta, para que a geração que veio depois possa estar fazendo as coisas.
Em nossas rodas d’arte e d’imprensa, comenta-se muita coisa que chega a ouvidos universitários, políticos e adjacentes, mas não à opinião pública como um todo. Às vezes, por conveniência, outras, por covardia. Não somos tão transparentes quanto a pensam a nossa platéia, os nossos leitores. Os nossos bastidores ficaram parecidos com os dos políticos profissionais.
Poetas, roqueiros, namorados, correi: é chegada a primeira hora de cantar as nuncas derradeiras noites de luar.
Vou direto à história, à coisa, à questão, ao bicho (que vai pegar?). Quando coloquei “Sociedade dos poetas putos” num festival do Sesc, tinha plena consciência do que estava provocando, num momento em que as novas canções, do ponto de vista urbano e contemporâneo, estavam deixando de ser rebeldes, porque muitos compositores estavam querendo sabe somente de mercado (que, por não tão fina ironia, não eixstia). Na Paraíba, eu, Walter Galvão, Jamacy (vocalista do Sombras Dolentes), Sérgio Motta (vocalista do S.O.S., hoje no Se?), Gustavo Magno (então, na Banda Utopia, e hoje lançando “Divina virtude”), a galera do Poecodobar, Pedro Osmar, estávamos interessados em fazer (r)evoluções. Sempre experimentamos provocar o estabelecido para que algumas coisas mudassem. Nunca estivemos no tal do coro dos contentes
Nosso discurso sempre foi em busca do novo. Com todo o respeito à vida noturna de bares da orla (pois, afinal, os freqüentamos), o nosso trabalho nunca foi dirigido para aparecer por aparecer, em busca das lantejoulas e dos brilhos que morrer ao dobrar uma esquina, nem unicamente para fazer dançar (leia-se dançar em todos os sentidos, o que inclui Calcinha Preta e Aviões do Forró). O nosso trabalho nunca foi composto, articulado, apresentado ou gravado para comer meninas ou meninos. Prefiro comê-las, ou comê-los, sem ter de gastar tardes ou noites de ensaios.
”Sociedade dos poetas putos” incomodou ao estabelecido, da mesma maneira que incomoradaram “Conversas em torno do busto de Augusto” e “Nascido em 18 de março”. Lembro que no início (era 1990, já, perto do final de um século que se dizia moderno) os jornais locais publicavam o nome “Sociedade dos poetas p...” (com reticências, mesmo) em comentários e algumas notas. Depois é que se soltaram. As reticências para “putos” não aconteceram somente na imprensa local, mas também em Recife, em Aracaju.
Ou seja: mantive a coerência com a posição vanguardista que sempre tive no Nordeste desde os tempos do tropicalismo. Temos brabos, onde vivíamos “prestando satisfações” aos agentes diretos e indiretos da ditadura militar, dos nossos poemas, peças de teatro e canções
Hoje está tudo bem mais fácil. Basta um agradinho aqui, outro acolá, um corporativismo bacaninha pós-moderno, para resolver tudo. Tudo bem: quem faz assim, o faz de livre arbítrio. Mas, não precisa fazê-lo tentando atingir uma geração digna que preparou um terreno de liberdade para eles. Faço parte desta geração e a defenderei até os últimos instantes, que não serão últimos porque haverá continuidade da parte dos que são dignos, justos e decentes. Não é qualquer merdinha adorador do deus-dinheiro, em cotidiano exercício da mentira, que vai tirar da história a nossa geração.
Quanto a mim, continuo à maneira dos bons roqueiros que fazem o que foi batizado de emepebê. Sou um prolongamento assumido do tropicalismo. Continuo a cometer doces transgressões, sem me esconder atrás dos computadores e mesas oficiais. Não preciso do “nihil obstat” da canalhice. Meu “nada consta” é o dormir em paz, sem medo do que possa perder ou ganhar amanhã.
- “Carlos Aranha” -

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