segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Humanos

Há poucos dias desembarquei em Buenos Aires e, após algumas luas entre os portenhos, rumei para San Carlos de Bariloche quando, depois de certo convívio com os patagônicos da Província de Rio Negro, cruzei os lagos andinos, embarcando em Puerto Pañuelo, no lado argentino, retomando a rota terrestre rumo a Santiago de Chile a partir de Puerto Varas, que fica na porta de entrada do país de Pablo Neruda.
Para quem chega das zonas tórridas é o frio obviamente o maior contraste que se pode verificar. Deslumbra, certamente. Mas longe de ser apenas um atrativo turístico, esse confronto de apostos adversos assume especial significado e passa a dizer muito acerca da condição humana.
O ser humano, sertanejo ou não, é antes de tudo um forte. O frio patagônico é cortante. O vento gélido que vem da Cordilheira dos Andes é uma lâmina inclemente e opressiva que trespassa agasalhos e golpeia o ânimo dos mortais comuns.
A neve — que alimenta nossa curiosidade tropical — é, para os nativos, antes preocupação que fonte de lazer, e a solitude da maioria dos rincões existentes às margens de lagos formados a partir de glaciais havidos em tempos imemoriais não deixa dúvida acerca da dura vida que seus habitantes levam no período de inverno.
Entretanto, a simples presença humana nesses lugares de rara beleza, mas de clima severo e de isolamento pungente, revela quão intensa foi e continua sendo a epopéia de nossa espécie, especialmente se considerada a existência de climas ainda mais lancinantes.
Nossos ancestrais desceram das árvores na savana africana e tomaram o planeta. Não apenas chegamos a lugares inóspitos, mas lá permanecemos em desafio à natureza que, muitas vezes, parece não nos ter imaginado inclusos em certas plagas.
Gostei do que vi e do que senti. De tudo, o mais valioso foi a advertência feita em Peulla — um lugarejo chileno de cento e trinta habitantes, oitos cachorros e uma população decrescente de cinco gatos que rotineiramente são jantados por pumas famintos —, por Judith, nossa guia chilena, no sentido de que apenas desafiando o frio numa cavalgada é que se poderia ter alguma noção de como vivem os trabalhadores na Patagônia.
Interessante saber da gente daquele lugar. Da forma silenciosa como trabalha e da altivez com que convivem com frio e a chuva incessantes. Prazeroso o convívio com pessoas como Christian, um jovem guia turístico que trocou engenharia de informática pelos campos e que escolhe o conjunto montador-montaria a partir de uma rápida conversa que, segundo ele, permite identificar as personalidades que mais se afinam.
Do pouco e do muito fica a certeza de que para a condição humana não há desafio que não possa ser vencido e o convencimento de que nossas diferenças são antes de tudo uma razão para aumentar a admiração e o espanto de nós para conosco.
Vladimir Azevedo de Mello

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