Certo dia, ouvi um pregador falar de uma virtude muito rara nos dias de hoje: a simplicidade. O tema me tocou sobremaneira, pois sou apologista das coisas simples, sem pompa e sem complexidade. Nas minhas reflexões, fico a contemplar o universo no seu estado natural e cada vez me encanto com essa virtude, que, sem exagero, pode ser considerada como a porta de ingresso na casa de todas as outras virtudes. Ela é, na verdade, o que há de mais belo na postura do ser humano, embora quase sempre passe despercebida e, muitas vezes confundida com atitudes menores, como a insegurança, a fraqueza, a timidez, a simploriedade, a tolice, a tibieza e o medo
Engana-se quem pensa assim. A fortaleza das pessoas simples é de significativa magnitude. Em seu ministério da Terra, Jesus proclamou, dentre outras afirmações que entendia serem verdades, as seguintes: bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra (Mateus, 10.16). Aquele que se fizer humilde como esta criança, será o maior no reino dos céus (Mateus, 18.4). Efectivamente, na simplicidade encontram-se condensadas grandes virtudes, tais como: a bondade, a serenidade, a doçura, a urbanidade, a naturalidade, a segurança, a tranqüilidade, a prudência, a firmeza, o autocontrole, a pureza e a paz interior.
A propósito do tema, pude observar ao longo de mais de quarenta anos de vida publica o desaparecimento dessa virtude nos espaços do poder. Perplexo, vi pessoas simples sofrer um gradativo processo de transformação, desfigurando-se por inteiro após subir alguns degraus. É quase sempre assim. Pessoas de trato agradável mudam de postura quando ascendem a postos de mando. Adotam um novo tipo, vestem uma máscara desenhada com as tintas da altivez, da soberba e do orgulho, despindo-se por inteiro do seu feitio natural. Perdem a simplicidade e a naturalidade, afastam-se dos velhos amigos, renegam os seus antigos hábitos, elegem um modelo que julgam encarnar o protótipo do potentado. O mesmo fenômeno atinge os que tem uma inesperada ou rápida ascensão econômica-social (nouveau riche), que perdem a sua primitiva identidade e não se situam no novo estágio de vida. Esse desvio de conduta é tão flagrante que, muitas vezes, tornam-se objecto de criticas veladas. Tais alpinistas esquecem a transitoriedade das glorias efêmeras.
Sem duvida, a paisagem captada das alturas nem sempre reflete a realidade das coisas. Caminhar com passos de altivez e soberba, sem observar as belezas da paisagem, é perder a fantástica possibilidade de enriquecer a alma com o universo das coisas simples. Infelizes aqueles que perdem a sensibilidade para perceber a vida em todas as suas nuances. Não vêem a beleza dos campos, nem o perfume das flores, nem o sorriso das crianças, nem a leveza dos gestos de fraternidade humana. Encastelados nos alcantis da prepotência, enfeitiçados com a miragem do mundo fugaz e da falsa grandeza, perdem o contato com o essencial, perene e verdadeiro n vida.
A simplicidade é irmã gêmea da verdade. O que é simples é autentico, real e verdadeiro. O imortal Goethe, em suas “Máximas e Reflexões”, afirmou que o verdadeiro, o bom, o inigualável é simples e é sempre idêntico a si mesmo, seja qual for a forma sob a qual ocorre. O falso não resiste à acção do tempo. A sabedoria popular diz que as aparências enganam e que a mentira tem pernas curtas. Já a simplicidade, repita-se, irmã gêmea da verdade, tem a resistência do diamante e a claridade do sol. O simples é transparente e autentico, não se intimida e nem se esconde, tem postura retilínea, não se curva aos poderosos e nem oprime os humildes. Como as aves do céu, o simples singra pelos espaços da vida em estado de infinita serenidade, sob as bênçãos da paz.
- “Vicente Leal de Araújo” -
sábado, 19 de janeiro de 2008
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