- Que fazes? – pergunta-me a Musa severa, examinando distraidamente a ponta das unhas que mais parecem garras.
- Ora, o mesmo que faço todos os dias. Cumpro com a minha obrigação. Tento escrever – respondo aparentando calma, a fim de não irrita a veneranda senhora inspiradora do engenho e arte com que preencho este espaço.
- duvido muito que consigas.
Ela não consegue varrer da sala os evidentes sinais de triunfante zombaria no ar junto com o som melodioso de sua voz.
Cauteloso, defendo-me quase num murmúrio:
- Com todo o respeito, espanta-me esse seu comentário, distinta Senhora. Afinal, boa parte do que escrevo origina-se da sua generosa inspiração.
Mal terminei a frase, percebi o quanto havia me excedido. A Musa ergueu a cítara acima da cabeça, dando-me a inquietante impressão de que iria parti-la sobre o meu insciente crânio de escritor sem destino. Felizmente, pousou-a a um canto e apenas fixou os olhos desanimados sobre a minha plácida ignorância.
- Coitado de ti – proferiu, quase sem mover os lábios. Ainda és do tempo em que as Musas assinavam junto com os escritores os textos literários?
Cruzou, então, uma perna por sobre a outra e acendeu um cigarro. A lassidão daquela sua imagem era uma vaga reprodução da conhecida foto de Clarice Lispector entrevistada por Cony. Parecia saborear o meu desconforto.
- Mas Senhora, sem a sua inspiração, o que será feito de mim e de todos os infelizes mortais que se arriscam a produzir algo legível sobre o papel?
Senti a fumaça aromática do seu cigarro – cheirava a absinto – chegar até minhas narinas, acompanhada da imensa dosagem do alcatrão da sua perversidade.
Sorri. Ou melhor, deliciava-se com a minha desventurada carência de letras e idéias. Nem ao menos um gesto humanitário de socorro ao naufrago que se debatia à sua frente.
- Te vira, rapaz.
Em se tratando de Musa contraída ainda nos anos sessenta, dava para entender o emprego da gíria careta agora em desuso. Apagou o coto do cigarro sobre o meu teclado em branco, deu-me as costas e se mandou sem uma palavra de despedida.
E sem palavras me deixou.
O leitor que me perdoe, mas é por isso, ando tão mal de idéias assim.
Culpa da Musa.
Luiz Augusto Crispim
sexta-feira, 18 de janeiro de 2008
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